A Tarifa de Trump: Um Ataque Comercial e uma Oportunidade Estratégica para o Brasil
- Maurício Kenyatta
- 27 de jul.
- 4 min de leitura

Introdução
Em julho de 2025, os Estados Unidos — sob o governo de Donald Trump — impuseram tarifas inéditas sobre exportações-chave do Brasil, como aço, alumínio e produtos agrícolas. Embora justificadas como medidas econômicas, essas tarifas devem ser compreendidas como um gesto político de coerção. Elas refletem transformações profundas na ordem global e colocam o Brasil diante de uma encruzilhada estratégica.
Gillian Hart (2023), em sua proposta de análise conjuntural, sugere observar três camadas: estrutura, conjuntura e evento. Estruturalmente, o Brasil segue dependente de poucos mercados e exporta bens de baixo valor agregado. Conjunturalmente, vemos um mundo que migra da cooperação multilateral para o protecionismo nacionalista. O evento — a tarifa dos EUA — é parte de um esforço estratégico para remodelar relações comerciais pela força, não pelas regras.
Tarifas como Armas Comerciais
As tarifas americanas não são apenas uma disputa econômica: são instrumentos de coerção geopolítica. A literatura sobre economia política internacional mostra que grandes potências usam tarifas para pressionar adversários, influenciar políticas internas e proteger seus interesses estratégicos.
Essas tarifas são direcionadas a setores politicamente sensíveis. Estudos sobre a guerra comercial EUA–China mostram que tarifas chinesas miraram áreas pró-Trump, afetando eleições. O mesmo raciocínio se aplica ao Brasil, onde os setores agrícola e metalúrgico, especialmente em regiões como Centro-Oeste e Minas Gerais, são duramente atingidos.
Imperialismo Econômico e Dependência
Impostas por potências hegemônicas, tarifas excessivas operam como instrumentos de imperialismo econômico. Ao restringir a industrialização de economias periféricas, reproduzem mecanismos coloniais. O exemplo da Índia sob o domínio britânico é claro: tarifas desestimularam a indústria local e perpetuaram a dependência.
No caso brasileiro, o objetivo é claro: dificultar a ascensão de setores exportadores e reforçar a dependência estrutural. Trata-se de limitar a autonomia tecnológica e o desenvolvimento industrial do país.
Custos, Riscos e Efeitos Domésticos
Tarifas geram aumento de preços para consumidores e empresas, tanto no país que impõe quanto no que sofre a medida. Também provocam retaliações, que tendem a escalar em guerras comerciais prejudiciais a todos. Para o Brasil, os impactos serão sentidos em alimentos, manufaturados e no custo de vida.
A lógica da dependência estrutural, conforme Celso Furtado já alertava, se repete: países periféricos exportadores de matérias-primas permanecem vulneráveis à coerção de potências centrais.
Uma Brecha Estratégica?
Segundo Daniel Gros, a tarifa dos EUA sobre produtos chineses pode tornar os produtos brasileiros mais competitivos no curto prazo. Essa “janela” exige ação estratégica do Brasil para consolidar ganhos duradouros — e não apenas benefícios momentâneos.
Caminhos Estratégicos para o Brasil
1. Diversificação de mercados
Reduzir a dependência dos mercados dos EUA e da China é imperativo. O Brasil deve ampliar suas parcerias no Sul Global — África, América do Sul e Sudeste Asiático — para ganhar resiliência e influência.
2. Reindustrialização com foco em inovação e tecnologia
É essencial adotar uma política industrial orientada por missões, como defende Mariana Mazzucato. Isso implica alinhar setores público e privado, fortalecer instituições como a Embrapa e oferecer incentivos para inovação.
3. Diplomacia ativa no Sul Global e nas instituições multilaterais
Além de ajustes internos, o Brasil precisa retomar sua liderança nas relações internacionais. O fortalecimento do Mercosul, parcerias Sul-Sul e atuação em fóruns como OMC e FAO são fundamentais para reequilibrar o sistema global.
4. Reestruturação da governança do comércio exterior
Agências como Apex, MDIC e Itamaraty precisam ser reconstruídas com foco em planejamento estratégico de longo prazo, visando a reinserção soberana do Brasil na economia global.
Conclusão
O Brasil tem dois caminhos: aceitar a vulnerabilidade estrutural ou construir um projeto soberano de desenvolvimento nacional. A tarifa de Trump é um alerta. É hora de abandonar a lógica de colônia comercial e agir como um protagonista global.
Como disse Rubens Ricupero, a resposta deve estar “no mesmo nível”: estratégica, firme e visionária.
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