Nas trincheiras do conflito Israel-Palestina: iniciativas para a paz pedem passagem
- Maurício Kenyatta
- 18 de jul.
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Maurício Kenyatta Barros da Costa e Ingrid Daniely Vale dos Santos
Resumo: o conflito Israel e Palestina, desde 1967, é marcado por visões conflitantes, tendo como enredo aspectos culturais e históricos com uma repercussão midiática, muitas vezes contraditória e tendenciosa, que produzem mortes e ciclos de tensões. As divergências sobre o significado da paz, a polarização da cobertura midiática e a instrumentalização educacional reforçam o ciclo de violência. Iniciativas para a paz enfrentam o desafio de superar narrativas dominantes e promover a coexistência.
Desde 1967 até os dias atuais, a mídia, a cultura e a educação têm desempenhado importante papel no conflito Israel x Palestina. A visão e os discursos prevalecentes de maneira geral são os de conflito. Do lado de Benjamin Netanyahu e do partido Likud, o fim do conflito viria por meio da gradual anexação de territórios, apartheid e genocídio do povo palestino. Por outro lado, pela visão do Hamas, o discurso de resistência, guerrilha e terrorismo para assegurar o território e forçar o recuo israelense. Nessa polarização, ambos os lados querem também a vitória de sua história e cultura. A partir das discussões do ensino de história para paz (Feldt, 2008) e das teorias leigas da paz (Leshem; Halperin, 2020) aplicadas ao conflito Israel-Palestina argumentamos que o desinteresse das elites políticas na paz aproveita-se das zonas cinzentas em torno do conflito para enfatizar a separação, o ódio e o conflito em detrimento dos pontos de encontros, solidariedade e paz como podemos perceber na mídia, na cultura e na educação em relação à questão israelo-palestina.
Feldt (2008) afirma que o ensino de uma história para a paz passa pelo reconhecimento de que há várias histórias, o reconhecimento do outro não é suficiente se há não reconhecimento da sua própria instrumentalização da história a partir de suas ideologias e representações. Desse modo, condicionar a paz ao reconhecimento da sua verdade não é buscar pela paz, mas sim pela hegemonia. Estenderemos essa compreensão também para a cobertura jornalística e a produção cultural. Complementar a essa perspectiva, Leshem e Halperin (2020) trazem dados relevantes sobre a divergência em torno do que seja paz para parte dos povos israelenses e palestinos, sendo, que os membros do grupo privilegiado (israelenses) tendem a compreender a paz em termos positivos, ao invés de estruturais, associando-a à amizade e harmonia, mais do que à justiça e igualdade. Já os membros do grupo desfavorecido (palestinos) entendem a paz como mudança estrutural, mais do que colaboração e parceria, associando-a à igualdade e justiça. Essa diferença de percepção pode levar a graves mal-entendidos e atrapalhar tentativas de resolução, sendo necessária abordagem de paz mais abrangente que contemple disparidades estruturais e promova relações harmoniosas entre os povos.
Em geral, a cobertura midiática do conflito Israel-Palestina destaca os horrores do ataque do grupo Hamas[1] e as mortes ocasionadas pelos militares israelenses em solo palestino. Essa cobertura midiática segue a polarização que se conforma em ciclos de tensionamento e ciclos de relaxamento. Os ciclos de tensionamento, em geral, ganham maior visibilidade devido aos efeitos que provocam na audiência, como medo, ódio, indignação, injustiça, entre outros. O distanciamento e o desconhecimento da realidade israelo-palestina são preenchidos por uma avalanche de informações, as quais são influenciadas pelas elites dominantes por serem quem mais detêm o controle da narrativa. Nesse caso, verificamos alguns atores como Benjamin Netanyahu, o partido Likud[2] e o partido Hamas. Todos esses atores têm em comum à adesão ao conflito e o desejo de extermínio da parte contrária, sendo os atores ligados à elite israelense os mais poderosos nesse conflito assimétrico. Desse modo, recebemos mais informações e nos deparamos com mais notícias que tendem a reforçar, principalmente a posição de Israel, mas igualmente a necessidade de manutenção do conflito, já que Hamas alega uso da violência para manter a existência de seu povo.
A manutenção e a expansão de poder por parte de Netanyahu, Likud e Hamas são combustíveis para o conflito. Netanyahu, contestado e com perda de popularidade interna, encontra no conflito e em sua propaganda o fôlego para revigorar sua posição política e se manter no poder. O partido Likud, mesmo antes da adesão de Netanyahu já tinha como interesse também sua perpetuação no poder. Por outro lado, o Hamas defende uma resistência armada e o engajamento ativo no conflito, o qual é perpétuo e contínuo, esteja ele ganhando destaque na mídia ou não. O Hamas também possui seu interesse em ser o principal porta-voz da comunidade palestina, compreendendo que apenas por meio da violência será possível assegurar a soberania e a resistência do povo palestino. Esses atores promovem uma educação para a guerra (Firer, 2002), assim como mobilizam os meios de comunicação e de cultura para reforçar o estado constante de prontidão bélica. Todos esses atores não acreditam na solução de dois Estados, sendo necessário a destruição do outro para poder existir apenas a sua unidade política.
A Comunidade Internacional, de maneira geral, tem se mobilizado gradualmente em torno da questão, ainda que a atuação das grandes potências em prol de seus interesses na balança de poder dificulte a resolução do conflito. A violência, a dor, as perdas e os traumas patrocinados por interesses coloniais, vide a constante interferência dos Estados Unidos da América e do Reino Unido na região e no conflito, destacam também os limites que o jogo de poder impõe sobre decisões que representem a maioria dos interesses da Comunidade Internacional, como visto pela negativa da resolução brasileira votada em 18 de outubro de 2023 com veto norte-americano, voto contrário de Israel e abstenção da Ucrânia. Desse modo, a Comunidade Internacional, representada pela África do Sul, encontrou outro meio para discutir a questão sem passar pelo veto de uma potência internacional: a denúncia de Israel à Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, por violações à Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, do qual Israel é signatário. A busca por soluções que rompam com a imobilidade das grandes potências em contribuir para a resolução da questão advém da mobilização social de israelenses e palestinos em diversas áreas, que citamos abaixo, pela construção de alternativas pacíficas, o que tem impactado a Comunidade Internacional com seu ativismo.
O interesse no conflito não é hegemônico em nenhum dos lados. Do lado palestino, segundo o Relatório 2023 sobre a Palestina do Arab Barometer, 52% não confiam de modo algum no Hamas e 51% são favoráveis a uma solução com dois Estados (Shikaki, 2023). Por outro lado, segundo The Israel Democracy Institute (2023), em setembro de 2023, 47,6% dos israelenses judeus eram favoráveis às negociações de paz, depois do 7/10/2023, dia do ataque do Hamas, esse percentual cai para 24,5%. Em novembro de 2023, entre os israelenses judeus, o apoio a solução com dois Estados também caiu de setembro para novembro de 37,5% para 35,5% (Gordon, 2023). Cabe mencionar que ao incluir os israelenses árabes, há aumento dos índices favoráveis aos dois Estados e às negociações de paz, assim como as Forças Armadas Israelenses gozam de confiabilidade muito maior que a de Netanyahu na condução do conflito (The Israel Democracy Institute. 2023; Gordon, 2023). Verifica-se que o desejo por paz é uma força social importante e, às vezes, majoritária de ambos os lados. O principal desafio é o consenso entre as elites para se negociar e encontrar soluções razoáveis e criativas que contemplem boa parte dos anseios por paz de ambos os povos.
Há financiamento e pressão direta por parte dessas elites para a produção de materiais educacionais e de notícias jornalísticas que promovam a sua verdade, a qual reforça o conflito ao invés da paz, porém é possível escrever uma nova história para a questão israelo-palestina. Em Israel, alguns historiadores há mais de 15 anos vêm pesquisando, ensinando e propagando uma nova história israelense que coloca em perspectiva o Sionismo e sua hegemonia histórica e cultural dentro do país (Feldt, 2008). Por outro lado, o movimento de abandono da luta armada pela Organização para a Libertação da Palestina[3] também fica como exemplo de outra via possível para o Hamas. Dessa maneira, precisamos prestar mais atenção nos movimentos que buscam pela paz nesses territórios.
Os povos israelenses e palestinos no país e na diáspora têm se organizado em prol de uma agenda de paz que vença a agenda política dominante no momento. Organizações como a “Aliança para a Paz no Oriente Médio”, entidade que inclui o movimento israelense “Women Wage Peace” e a associação palestina “Women of the Sun” que lutam pelo fim das mortes no conflito e a convivência pacífica. Além dessas, existem a “Shalom Salam Paz” e a “Mãos para a Paz” para citar apenas algumas que expressam os sentimentos e as visões de boa parte da comunidade israelense e palestina em seus territórios, assim como em diáspora, que acreditam em uma solução pacífica com dois territórios. Essas iniciativas vão ao encontro do que Leshem e Halperin (2020) apresentam em seu artigo sobre “dois Estados e uma pátria” na qual cada povo tenha sua soberania política e possam compartilhar de suas memórias e territórios coletivos.
O desafio pela paz também perpassa pela mudança de paradigmas no que diz respeito à tolerância e ao respeito pela cultura e religiosidade dos povos da região, pois a maneira como os meios de comunicação retrata o território traz uma representação do outro forjada nos rivais “culturais” aos modos da teoria do orientalismo de Edward Said, onde a multiplicidade cultural e religiosa da região é resumida a judeus contra “árabes”.
A literatura ocidental traçou uma linha imaginária em torno do outro desconhecido, dando-lhe uma unidade geográfica, linguística, cultural e étnica homogênea sobre a região, trazendo implicações que outrora estavam “esquecidas”, ou podemos dizer que mais pacificadas no mundo ocidental, como o antissemitismo e o totalitarismo. O conflito entre Israel e Palestina retoma diversos preconceitos e discriminações que implicam em rejeição de toda a comunidade envolvida, reverberando principalmente nos refugiados deste conflito pelo mundo.
A Comunidade Internacional já presenciou uma série de desastres humanitários e genocídios que ocorreram devido à inércia das lideranças globais ou sua demora em agir. Em Gaza, atualmente, a falta de alimentos tem causado impactos sociais e sanitários na região. Além disso, mortes, violência e mutilações têm sido recorrentes. Outros direitos básicos como o acesso à educação e à saúde também têm sido interrompidos. Caso a Comunidade Internacional não se posicione de maneira mais assertiva em relação a essa situação e a postura das potências que apoiam o conflito, o ciclo de violência pode continuar e transbordar para vizinhos próximos. O descumprimento dos acordos da ONU e da CIJ que visam a manutenção da paz é um alerta para a ocorrência de mais um genocídio, o que não pode ser mais tolerado.
Em suma, a análise do conflito israelo-palestino demonstra que a indiferença das elites políticas para com a paz se alimenta das ambiguidades inerentes ao embate, favorecendo a segregação e a hostilidade em detrimento da união, da solidariedade e da paz. Observa-se que tanto a mídia quanto a cultura e a educação refletem e reforçam essa polarização. O desafio reside em transcender a narrativa dominante, propiciando a emergência de diálogos construtivos e o reconhecimento mútuo. Ressalta-se a necessidade de apoiar e fortalecer as abordagens que priorizem a humanização do outro, estimulando iniciativas que fomentem a tolerância e a coexistência pacífica. A superação deste conflito histórico requer um esforço coletivo para redefinir estratégias inclusivas, priorizando a humanidade e os direitos de todas as partes envolvidas, desviando-se dos interesses particulares que perpetuam a violência e o antagonismo.
Referências
Feldt, Jakob. “History and peace education in Israel/Palestine: a critical discussion of the use of history in peace education”. Rethinking History 12, n.º 2 (junho de 2008): 189–207. https://doi.org/10.1080/13642520802002273.
Firer, Ruth. “The Gordian Knot Between Peace Education and War Education”. In Peace Education, editado por Gavriel Salomon e Baruch Nevo, 71–78. Psychology Press, 2002. https://doi.org/10.4324/9781410612458-8.
Gordon, Anna. “What Israelis Think of the War With Hamas”. TIME, 10 de novembro de 2023. https://time.com/6333781/israel-hamas-poll-palestine/.
The Israel Democracy Institute. Israeli Voice Index — November 2023. Prepared by the Viterbi Center for Public Opinion and Policy Research of the Israel Democracy Institute, from 27–30 November 2023. https://en.idi.org.il/articles/51746
Leshem, Oded Adomi, e Eran Halperin. “Lay theories of peace and their influence on policy preference during violent conflict”. Proceedings of the National Academy of Sciences 117, n.º 31 (20 de julho de 2020): 18378–84. https://doi.org/10.1073/pnas.2005928117.
Shikaki, Khalil. “Arab Barometer VIII: Palestine Report — Report 1: Domestic Balance of Power and Palestinian-Israeli Relations Before and After October 7th.” Palestinian Center for Policy and Survey Research, 2023. https://www.arabbarometer.org/wp-content/uploads/Arab-Barometer-PSR-Palestine-Report-Part-I-EN-.pdf.
Notas
[1] O Hamas é uma organização palestina, predominantemente sunita, fundada em 1987. Ela surgiu inicialmente como uma ramificação do movimento egípcio Irmandade Muçulmana. O Hamas é conhecido por sua resistência armada contra Israel, incluindo ataques suicidas e lançamentos de foguetes. A organização também participa do processo político palestino e controla a Faixa de Gaza desde 2007. O Hamas é classificado como uma organização terrorista por países como os Estados Unidos, a União Europeia e Israel, devido às suas táticas violentas e ao seu não reconhecimento do Estado de Israel.
[2] O Likud é um partido político israelense de direita, fundado em 1973. É um dos principais partidos políticos de Israel e tem desempenhado um papel central na política israelense, especialmente desde os anos 70. O partido é conhecido por suas posições conservadoras, nacionalistas e por sua política de segurança dura em relação ao conflito israelo-palestino. O Likud tem liderado coalizões governamentais em Israel várias vezes e tem sido um dos principais promotores das políticas de assentamentos judaicos nos territórios ocupados. Benjamin Netanyahu, um dos mais conhecidos líderes políticos de Israel, é membro do Likud e serviu como Primeiro-Ministro do país em várias ocasiões.
[3] A Organização para a Libertação da Palestina (OLP), fundada em 1964, é uma entidade política e paramilitar reconhecida internacionalmente como a representante do povo palestino. A OLP foi criada para estabelecer uma base política e militar para a luta pela independência Palestina, inicialmente focando na eliminação do Estado de Israel e na libertação da Palestina através da luta armada.
Com o tempo, a OLP passou por significativas transformações políticas. Na década de 1980, sob a liderança de Yasser Arafat, a organização começou a buscar uma solução mais negociada para o conflito israelo-palestino. Esta mudança culminou no reconhecimento de Israel e no abandono oficial da violência como meio de alcançar seus objetivos, conforme expresso na Declaração de Independência da Palestina de 1988 e nos Acordos de Oslo de 1993.
Os Acordos de Oslo foram um marco na história da OLP, pois levaram ao reconhecimento mútuo entre a organização e o Estado de Israel, e à criação da Autoridade Palestina, que assumiu responsabilidades governamentais em partes da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Desde então, a OLP tem sido uma parte central nas negociações de paz com Israel, embora o processo tenha enfrentado numerosos desafios e obstáculos.
A OLP é composta por várias facções e grupos políticos palestinos, sendo a Fatah, o partido de Yasser Arafat, um dos mais proeminentes. A organização continua a ser uma voz influente na política Palestina, representando uma ampla gama de opiniões e posições dentro da sociedade Palestina.
Sobre os autores
Maurício Kenyatta Barros da Costa: Doutorando em Relações Internacionais, Universidade de Brasília. Pesquisador GEPSI-UnB.
Elane Dornelles Ricarte: Mestranda em Políticas Comparadas sobre as Américas, Universidade de Brasília. Pesquisadora GEPSI-UnB.




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