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Briefing Lula na ONU: Estratégias e Desafios para a Política Externa do Brasil

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Lula discursando na ONU!

1) Contexto resumido (24 set 2025)


Fato novo: após um encontro relâmpago nos bastidores da ONU, Trump disse haver “química excelente” e anunciou a intenção de reunião com Lula “na próxima semana”. 


Lula reagiu positivamente: disse que “aquilo que parecia impossível… aconteceu”, que ficou “feliz” com a “química” e que quer “acabar o mal-estar” para construir uma agenda positiva; avaliou que Trump está “mal-informado” sobre o Brasil. 



Leitura estratégica (autores-chave):


  • Hedging de potência média (Kuik; Koga): abrir opções, reduzir riscos, evitar alinhamentos binários.

  • Agency do Sul Global & issue-linkage (Narlikar): vincular concessões a ganhos em várias frentes.

  • Multiplex order (Acharya; Stuenkel): liderança cooperativa em múltiplos foros.

  • Custo do overstretch (Schenoni et al.): ambição calibrada por meios e entregas.


Um modo sofisticado, simples e didático de analisar a política externa brasileira diante da fala de Lula e do gesto de Trump é usar um framework em quatro pilares. Cada pilar vem de autores centrais e recentes no debate, e juntos formam uma bússola para entender e orientar as escolhas estratégicas do Brasil.

O primeiro pilar é o hedging de potência média, conforme analisam Kuik e Koga. Potências médias como o Brasil não podem se dar ao luxo de apostar todas as fichas em apenas um parceiro ou em um único bloco. O hedging é uma forma de manter opções abertas, reduzir riscos e evitar cair em alinhamentos binários que prendem o país a custos irreversíveis. Isso significa que, diante da abertura de Trump, o Brasil pode dialogar e negociar, mas sempre deixando espaço para alternativas com a União Europeia, os BRICS+ ou arranjos regionais. A chave é transformar incerteza em margem de manobra.

O segundo pilar vem de Amrita Narlikar e sua análise sobre a agency do Sul Global e o issue-linkage. O Brasil, ao negociar com uma potência maior, aumenta sua capacidade de barganha quando vincula diferentes temas em um mesmo pacote. Em vez de aceitar discutir apenas tarifas, pode propor uma cesta: tarifas + clima + saúde + bioeconomia. Dessa forma, uma concessão num ponto pode se converter em ganhos múltiplos em outros. Além disso, o país molda a narrativa pública — por exemplo, de “prosperidade com regras” — para legitimar essas trocas como justas e equilibradas. O issue-linkage é, portanto, uma arma de negociação e uma ferramenta de comunicação.

O terceiro pilar é o da ordem multiplex, conceito desenvolvido por Amitav Acharya e retomado por Oliver Stuenkel. A ideia é que a ordem internacional contemporânea não é mais unipolar ou centrada em um só arranjo, mas uma teia de foros, coalizões e instituições que coexistem. Para o Brasil, isso significa que não se deve apostar todas as fichas em uma reunião bilateral com os EUA, mas sim operar em múltiplos tabuleiros: ONU, COP30, Mercosul, BRICS+, bancos de desenvolvimento como BID e NDB, e coalizões minilaterais temáticas. Cada foro oferece uma oportunidade de avançar um pedaço da agenda — seja comércio, clima, saúde ou tecnologia. Liderar “clubes de políticas” dentro dessa ordem multiplex projeta o Brasil como ator cooperativo e inovador.

O quarto pilar é a advertência de Schenoni e colegas sobre o custo do overstretch. Potências médias que abraçam ambições maiores do que seus meios acabam enfraquecendo a própria influência. Por isso, a diplomacia brasileira precisa calibrar ambição com capacidade, estabelecendo prioridades claras, sequenciando entregas e podando frentes com baixo retorno. O caminho é definir metas realistas, dividir em ondas (90/180/360 dias) e medir resultados com indicadores objetivos — tarifas efetivas reduzidas, contratos de SAF firmados, hectares rastreados, capacidade de vacinas instalada. Assim, evita-se prometer o que não pode ser entregue.

Quando juntamos esses quatro pilares, temos um framework explicativo e operativo: o Brasil deve praticar hedging, mantendo opções abertas entre EUA, UE, BRICS+ e América do Sul; deve aplicar issue-linkage, transformando uma concessão pontual em ganhos múltiplos; deve agir na lógica da ordem multiplex, distribuindo suas vitórias em diferentes arenas e coalizões; e deve sempre cuidar do overstretch, calibrando ambição com meios e focando em resultados verificáveis. Dessa forma, a “química” entre Lula e Trump pode se transformar não em dependência ou espetáculo vazio, mas em uma oportunidade para o Brasil se afirmar como potência média criativa, pragmática e confiável no cenário internacional.


2) Objetivo político (12 meses)


Tirar proveito da abertura com os EUA para:

  • (a) amortecer o “tarifaço” e previsibilidade regulatória;

  • (b) ancorar entregas setoriais (clima/COP30, saúde, bioeconomia, cadeias críticas);

  • (c) fortalecer a imagem do Brasil como potência média confiável do Sul Global que “resolve problemas com regras”.


3) Estratégias integradas (o que fazer)


3.1. Negociação econômica: “pauta curta, entrega rápida”


  • 1. Coreografia: primeira conversa virtual e técnica, com 2–3 deliverables verificáveis (ex.: GT tarifário em 30 dias; lista NCM prioritários com carve-outs/quotas temporárias; cronograma de revisão). Mantém resultado > foto-op.

  • 2. Issue-linkage inteligente: conectar flexibilizações a parcerias em cadeias críticas (fertilizantes verdes, SAF/biocombustíveis, vacinas/saúde, rastreabilidade florestal) e metas de COP30. (Narlikar)

  • 3. Alavancas domésticas nos EUA: mobilizar lobbies setoriais (agro/aeronáutico/energia), governadores pró-comércio e waivers administrativos enquanto litígios avançam.

  • 4. Linhas vermelhas: soberania institucional, previsibilidade regulatória, não-politização de casos internos (mensagem externa coerente com a fala na ONU). 


A negociação econômica deve começar com coreografia precisa: nada de grande gesto público antes de haver substância assinável. A primeira conversa precisa ser virtual e técnica, com uma pauta curta e foco em 2–3 entregas verificáveis. Exemplos: instituir por portaria um Grupo de Trabalho (GT) tarifário com prazo de 30 dias para apresentar uma proposta; publicar uma lista de NCM prioritários (posições tarifárias específicas) já acompanhada de possibilidades de carve-outs e quotas temporárias; e pactuar um cronograma de revisão com marcos mensais. Essa coreografia privilegia resultado sobre foto-op, reduz volatilidade política e cria disciplina de implementação desde o primeiro passo.

Em seguida, entra o issue-linkage inteligente — à la Amrita Narlikar — para aumentar poder de barganha e gerar “ganha-ganha” multissetorial. Em termos práticos, qualquer flexibilização tarifária deve ser conectada a parcerias em cadeias críticas em que ambos têm interesse: fertilizantes verdes (segurança alimentar + transição), SAF/biocombustíveis (descarbonização da aviação), vacinas/saúde (capacidade produtiva e resposta a emergências) e rastreabilidade florestal (credenciar exportações e proteger reputação). Amarre tudo isso a metas claras para a COP30, de modo que cada concessão em comércio seja compensada por entregas climáticas, tecnológicas ou sanitárias — com métricas, prazos e governança.

O terceiro movimento é acionar alavancas domésticas dentro dos EUA para deslocar a correlação de forças a favor do acordo. Isso significa mobilizar lobbies setoriais com interesse direto (agronegócio, aeronáutico, energia/biocombustíveis), governadores e prefeitos pró-comércio cujos estados e cidades se beneficiam das cadeias Brasil–EUA, e explorar waivers e exceções administrativas possíveis enquanto os litígios e discussões regulatórias mais amplas seguem seu curso. Na prática, você combina diplomacia oficial com advocacy econômico orientado por dados (empregos, investimentos, estabilidade de insumos), criando aliados internos que pressionem por soluções pragmáticas.

Por fim, é essencial comunicar e respeitar linhas vermelhas que sustentem a credibilidade do Brasil: soberania institucional (nenhuma interferência em processos internos), previsibilidade regulatória (regras claras, sem surpresas de curto prazo) e não-politização de casos domésticos (separar contenciosos internos da agenda bilateral). Essa postura deve estar coerente com a fala do Brasil na ONU — defesa de instituições, do direito internacional e da cooperação com resultados — para que a narrativa externa reforce a negociação econômica. Em síntese: pauta curta, entrega rápida, empacotada com issue-linkage, impulsionada por aliados nos EUA e protegida por princípios que blindam reputação e poder de barganha.



3.2. Hedging com entregas (evitar dependência de um único eixo)


  • Triangulação EUA–UE–BRICS+:

  • UE: pacote verde-industrial (investimentos/PPPs; compras públicas sustentáveis), independentemente do desfecho Mercosul-UE.

  • BRICS+/NDB: escalar projetos bancáveis no Brasil (infra verde/saúde) com governança de risco sólida (sinal anti-“alinhamento automático”).

  • América do Sul como amortecedor: pagamentos, energia e infraestrutura menos sensíveis a sanções, plataformas regionais de compensação/clearing. (Stuenkel)

  • Clubes de políticas (abertos a Norte e Sul): Bioeconomia/Amazônia, Saúde Global, IA responsiva — coalitions of the willing com métricas.


O segundo eixo estratégico é o hedging com entregas, isto é, a capacidade de equilibrar as apostas externas de modo a não depender excessivamente de um único parceiro ou bloco. O Brasil, como potência média, ganha margem de manobra quando triangula suas relações entre EUA, União Europeia e BRICS+, usando cada polo para compensar fragilidades do outro e, ao mesmo tempo, colher ganhos concretos. Essa triangulação impede que concessões a um ator sejam interpretadas como submissão, pois são sempre acompanhadas de compromissos paralelos em outros tabuleiros.

Com a União Europeia, a prioridade deve ser a construção de um pacote verde-industrial, baseado em investimentos, parcerias público-privadas e políticas de compras públicas sustentáveis. Importante aqui é desvincular esse movimento do impasse do acordo Mercosul-UE: mesmo sem ele, há espaço para atrair capital europeu voltado à descarbonização e à reindustrialização verde do Brasil. O recado estratégico é claro: o Brasil não depende de um tratado único, mas consegue ativar instrumentos concretos de cooperação em transição energética, inovação e sustentabilidade.

No campo dos BRICS+ e do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a estratégia passa por escalar projetos bancáveis em áreas de infraestrutura verde e saúde, que possam ser implementados com rapidez e supervisionados por uma governança de risco sólida. Ao fazer isso, o Brasil sinaliza duas coisas ao mesmo tempo: que aproveita as oportunidades de financiamento do Sul Global e que não se deixa prender em alinhamentos automáticos, já que impõe critérios de qualidade e transparência aos projetos. Isso protege a reputação externa e cria mais previsibilidade para investidores de dentro e de fora do bloco.

Já no plano regional, a América do Sul deve funcionar como amortecedor, fortalecendo esquemas de pagamentos, energia e infraestrutura que sejam menos sensíveis a sanções externas. Plataformas de compensação regional, arranjos de clearing e iniciativas de integração energética reduzem a vulnerabilidade do Brasil diante de choques vindos das grandes potências. Como destaca Stuenkel, a construção desses mecanismos regionais oferece autonomia relativa ao mesmo tempo em que reforça laços de confiança com vizinhos.

Por fim, o Brasil pode consolidar sua liderança internacional criando clubes de políticas temáticas, abertos tanto a países do Norte quanto do Sul. Áreas como bioeconomia e Amazônia, saúde global e inteligência artificial responsiva são candidatas ideais para coalitions of the willing, em que os participantes compartilham métricas de compromisso e se beneficiam de resultados concretos. Esses clubes operam dentro da lógica da ordem multiplex, permitindo ao Brasil ser visto como articulador de soluções globais sem depender da boa vontade de um único eixo de poder.


3.3. Narrativa & reputação (da ONU à COP30 Belém)


  • Slogan-guarda-chuva: “Prosperidade com regras” → Brasil que reduz tarifas, entrega clima e protege instituições.

  • Prova de seriedade: 3–4 acordos setoriais até a COP30 (p.ex., SAF com compras públicas; crédito florestal jurisdicional; plataforma de rastreabilidade; fábrica/consórcio de vacinas).

  • Transparência: publicar minutas de trabalho, cronogramas e KPIs trimestrais.


A dimensão da narrativa e reputação é tão estratégica quanto as negociações econômicas e os arranjos de hedging. O Brasil precisa construir uma mensagem clara, consistente e facilmente comunicável que traduza seu papel internacional de forma positiva. O slogan-guarda-chuva proposto — “Prosperidade com regras” — cumpre exatamente essa função. Ele sintetiza três compromissos fundamentais: redução de tarifas para estimular comércio, entrega de resultados concretos na agenda climática e proteção das instituições democráticas. Trata-se de uma fórmula simples, mas poderosa, que une crescimento econômico, responsabilidade ambiental e estabilidade política sob a mesma narrativa.

Essa narrativa, no entanto, só ganha credibilidade se for acompanhada de provas de seriedade. O Brasil não pode chegar à COP30 em Belém apenas com discursos; precisa apresentar 3 a 4 acordos setoriais concretos. Entre eles, pode-se destacar: um acordo de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) apoiado por compras públicas; a criação de um sistema de crédito florestal jurisdicional que reconheça esforços de descarbonização em escala regional; o lançamento de uma plataforma robusta de rastreabilidade florestal, capaz de dar transparência às exportações brasileiras; e o estabelecimento de uma fábrica ou consórcio de vacinas, fortalecendo a autonomia em saúde global. Cada um desses resultados oferece uma evidência tangível de que o país entrega o que promete.

A terceira perna dessa estratégia é a transparência. Para fortalecer a reputação externa e blindar-se de críticas de opacidade ou de concessões unilaterais, o Brasil deve publicar minutas de trabalho, cronogramas e indicadores trimestrais (KPIs) de cada acordo em andamento. Isso mostra compromisso com governança, aumenta a confiança dos parceiros e cria um mecanismo de prestação de contas perante a comunidade internacional e a sociedade brasileira. Além disso, reforça a narrativa de que o país não apenas negocia, mas também mede e divulga resultados de forma transparente.

Em síntese, o tripé slogan + entregas + transparência permite ao Brasil converter gestos políticos momentâneos em capital de longo prazo. A narrativa de “prosperidade com regras” funciona como fio condutor; os acordos setoriais dão corpo à mensagem; e a transparência garante credibilidade e continuidade. Juntos, esses elementos permitem ao Brasil não apenas reagir a crises ou gestos isolados de grandes potências, mas projetar-se como uma potência média confiável, inovadora e capaz de liderar pela combinação de discurso e prática.


4) Quadro Lógico (logframe)



Nível

Descrição

Indicadores (KPIs)

Fontes/Verificação

Riscos & Suposições

Impacto (12–24m)

Brasil visto como resolvedor confiável do Sul Global; risco-país menor; cadeias críticas mais resilientes

• Subida em índices de reputação/soft power • Queda do CDS • ↑ IED verde

Relatórios reputação; B3/BCB; UNCTAD

Sup.: estabilidade macro; risco: choques externos

Outcome (6–12m)

Previsibilidade tarifária e 2–3 acordos verdes/saúde assinados

• Δ média de tarifa efetiva nos NCM prioritários • Nº acordos assinados • US$ invest. vinculados

DOUs; USTR/MDIC; BID/NDB/CAF

Sup.: janela política; risco: retrocessos unilaterais EUA

Outputs (≤6m)

GT tarifário, listas NCM, cronograma COP30, task forces setoriais

• GT instituído • Lista NCM publicada • Roadmap COP30 com metas

Portarias; notas conjuntas

Sup.: coordenação interministerial

Atividades

Negociar carve-outs; montar coalizões; roteiros de comunicação; consultas com setor privado/estados

• Nº reuniões técnicas • Nº consultas setoriais • Nº non-papers trocados

Atas; ofícios; non-papers

Risco: vazamentos e politização

Insumos

Sherpas, dados de comércio, modelagem tarifária, diplomacia parlamentar/estatal

• Equipe designada • Modelos de impacto

Portarias; estudos IPEA/MDIC

Sup.: recursos técnicos e política unificada

Fonte: elaboração própria.


5) KPIs (monitoramento trimestral)

Comércio/Tarifas

  • Δ tarifa efetiva média (p.p.) em NCM prioritários (baseline: jul–set/2025);

  • Nº carve-outs/quotas obtidos; tempo de despacho alfandegário (dias).

Clima/Transição

  • Nº de contratos SAF (ton/ano) e % de compras públicas associadas;

  • US$ em bioeconomia/Amazônia (público + privado); hectares com rastreabilidade.

Saúde/Cadeias críticas

  • Nº parcerias vacinas/fármacos (capacidade instalada);

  • % insumos com fornecedores duais (EUA/UE/BRICS).

Imagem/Confiança

  • Variação CDS Brasil, IED greenfield (UNCTAD), menções positivas em imprensa G7/BRICS;

  • Engajamento em COP30 (nº chefes de Estado confirmados; nº acordos anunciados).


O monitoramento por KPIs trimestrais é essencial para transformar negociações e compromissos em resultados concretos, verificáveis e comunicáveis. No eixo de comércio e tarifas, os indicadores devem medir a variação da tarifa efetiva média em pontos percentuais para os NCM prioritários, tomando como referência o trimestre de julho a setembro de 2025. Além disso, é importante contabilizar o número de carve-outs ou quotas obtidos e acompanhar o tempo médio de despacho alfandegário em dias, já que a eficiência no desembaraço aduaneiro é um reflexo direto da credibilidade das medidas negociadas.

No campo de clima e transição energética, os KPIs precisam refletir compromissos de descarbonização e bioeconomia. Isso inclui o número de contratos de SAF (combustíveis sustentáveis de aviação) firmados, medidos em toneladas por ano, e o percentual de compras públicas associadas a esses contratos. Outro indicador é o volume financeiro investido na bioeconomia da Amazônia, somando aportes públicos e privados, além da extensão em hectares com rastreabilidade florestal implementada, sinal de transparência ambiental e de fortalecimento das cadeias sustentáveis.

Na área de saúde e cadeias críticas, a ênfase está em ampliar autonomia e resiliência. O KPI central é o número de parcerias estabelecidas em vacinas e fármacos, acompanhado da capacidade instalada resultante, seja em fábricas ou consórcios de produção. Também se deve monitorar a porcentagem de insumos estratégicos obtidos de fornecedores duais (EUA, UE, BRICS), garantindo que o Brasil não dependa de um único polo para itens essenciais.

Por fim, os KPIs de imagem e confiança capturam como o Brasil é percebido no cenário internacional e pelos mercados. Aqui entram a variação do CDS Brasil (indicador de risco-país), os fluxos de investimento estrangeiro direto em projetos greenfield registrados pela UNCTAD e o volume de menções positivas ao país na imprensa dos países do G7 e dos BRICS. Além disso, mede-se o engajamento para a COP30, contabilizando o número de chefes de Estado confirmados e o número de acordos anunciados no evento. Esses indicadores traduzem a narrativa em reputação concreta e projetam o Brasil como ator confiável e eficaz.



6) Linha do tempo (ação imediata → 90 dias)


D+2 a D+7

• Nomear sherpas (comércio/clima/saúde); circular minuta de GT tarifário; curadoria NCM; non-paper de issue-linkages (SAF, fertilizantes, saúde).

• Agendar call virtual (15–30 min, pauta objetiva, press note conjunta low-profile). CNN Brasil

D+30

• Portaria instituindo GT e lista NCM + cronograma de exceções/quotas;

• Lançar coalizões temáticas (Bioeconomia/Amazônia; Saúde Global) com lista de países e KPI-guia.

D+90

• Pacote 1 de exceções/quotas setoriais;

• 1 acordo setorial anunciado (ex.: SAF ou vacinas);

• Road to COP30: publicar metas intermédias e pipeline de investimentos.



A linha do tempo de ação imediata até 90 dias é o que garante ritmo, foco e resultados visíveis para transformar a oportunidade política em entregas concretas. Ela está organizada em três marcos principais — primeira semana, primeiro mês e primeiro trimestre —, cada qual com tarefas bem definidas que articulam preparação, negociação e comunicação.

Entre D+2 e D+7, ou seja, na primeira semana, o passo mais importante é a nomeação dos sherpas — representantes técnicos de comércio, clima e saúde — que irão conduzir as negociações no detalhe. Em paralelo, deve circular a minuta de criação do Grupo de Trabalho tarifário, junto com a curadoria da lista de NCM prioritários, indicando em quais códigos tarifários o Brasil pretende buscar exceções ou flexibilizações. Também é o momento de redigir um non-paper de issue-linkages, conectando tarifas a cooperação em SAF, fertilizantes verdes e saúde. Para dar início à agenda política, recomenda-se agendar uma call virtual de 15 a 30 minutos, com pauta objetiva e a divulgação de uma nota conjunta discreta, que privilegie conteúdo sobre espetáculo.

No marco de D+30, as primeiras institucionalizações precisam estar consolidadas. Isso significa a publicação de portaria formalizando o GT tarifário, junto com a divulgação da lista de NCM prioritários e o cronograma de revisão de exceções e quotas. Além disso, este é o momento de lançar coalizões temáticas que reforcem a liderança internacional do Brasil: uma voltada para bioeconomia e Amazônia, outra para saúde global. Ambas devem nascer já acompanhadas de uma lista inicial de países participantes e de um conjunto de indicadores-guia (KPIs) para dar transparência e credibilidade.

Por fim, em D+90, ou seja, no fechamento do primeiro trimestre, é hora de apresentar os primeiros frutos concretos. O objetivo é anunciar o Pacote 1 de exceções ou quotas setoriais negociados no GT tarifário e, junto a isso, assinar pelo menos um acordo setorial relevante — por exemplo, um contrato de SAF vinculado a compras públicas ou um consórcio de vacinas. Nesse mesmo marco, deve ser publicada a estratégia Road to COP30, contendo metas intermediárias e um pipeline de investimentos que será levado a Belém. Dessa forma, em três meses, o Brasil não apenas inicia a negociação com pragmatismo, mas já coloca na mesa entregas verificáveis que reforçam sua imagem internacional.



7) Gestão de riscos (e respostas)



Risco

Sinal de alerta

Resposta

Foto-op sem entrega

Encontro anunciado sem GT/cronograma

Stick to script: só anunciar após minuta assinada; comunicar “processo & prazos”

Cobrança pública/volátil

Postura imprevisível em fala/redenção unilateral

Manter nível técnico; usar nota conjunta curta; adiar passo político

Percepção de concessão

Críticas de “cedeu sem contrapartida”

Publicar minutas/roadmaps/KPIs; issue-linkage explícito (clima/saúde)

Overstretch

Múltiplas frentes sem orçamento

Podar frentes por ROI; priorização trimestral (Schenoni)

Fonte: elaboração própria.

A gestão de riscos é o mecanismo que assegura que a estratégia não se transforme em vulnerabilidade diante de pressões externas, improvisos ou erros de cálculo. O primeiro risco é o da foto sem entrega, quando um encontro político é anunciado antes de existir substância técnica. O sinal de alerta é claro: divulgação de reuniões sem a existência de um GT formalizado ou de um cronograma de revisão. A resposta deve ser firme: “stick to script”, ou seja, só anunciar depois que uma minuta estiver assinada, comunicando sempre em termos de “processo e prazos”, e não de promessas vagas.

Outro risco frequente é a cobrança pública volátil, em que uma postura imprevisível de outro ator gera pressão repentina para respostas imediatas. O sinal de alerta aparece quando declarações públicas ou gestos unilaterais colocam em xeque o andamento das negociações. A resposta nesse caso é manter o nível técnico, evitando cair na armadilha da retórica, e preferir notas conjuntas curtas, de linguagem neutra, postergando qualquer passo político até que haja condições mais seguras.

Há ainda o risco da percepção de concessão, que emerge quando a narrativa pública se consolida em torno da ideia de que o Brasil “cedeu sem contrapartida”. Esse problema pode ser neutralizado por meio da publicação de minutas, roadmaps e indicadores trimestrais (KPIs), mostrando de forma transparente os compromissos de cada parte. O uso de issue-linkages explícitos — por exemplo, tarifas em troca de ganhos em clima ou saúde — ajuda a demonstrar que não houve concessão unilateral, mas sim uma troca estratégica.

Por fim, existe o risco do overstretch, que ocorre quando múltiplas frentes de negociação são abertas sem orçamento, equipe ou capacidade política para sustentá-las. O sinal de alerta é o excesso de compromissos em comparação com os meios disponíveis. A resposta é aplicar a lógica de poda por ROI, priorizando iniciativas com maior retorno político e econômico, e revisando trimestralmente as frentes em aberto. A advertência de Schenoni se aplica aqui: ambição precisa sempre estar calibrada por meios, caso contrário, a potência média perde credibilidade em vez de fortalecê-la.


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