O dilema do Brasil pós-Assembleia da ONU: soberania, riscos e oportunidades diplomáticas
- Maurício Kenyatta
- 25 de set.
- 3 min de leitura

A abertura da 80ª Assembleia-Geral da ONU , em setembro de 2025, cristalizou o antagonismo de visões que moldam a atual desordem global. De um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva articulou uma defesa enfática do multilateralismo e da soberania nacional. Do outro, o presidente norte-americano, Donald Trump , projetou uma visão unilateralista, centrada em interesses domésticos. Contudo, um gesto inesperado de Trump ao final de seu discurso — um elogio pessoal a Lula seguido do anúncio de um encontro iminente — introduziu uma nova variável no tenso cenário bilateral, gerando um complexo balanço de oportunidades e riscos para o Brasil.
O pronunciamento brasileiro foi um manifesto de autonomia. Lula utilizou a tribuna global para repudiar o que chamou de “medidas unilaterais e arbitrárias”, uma clara referência às sanções e sobretaxas impostas por Washington . Ao declarar que “nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”, o presidente posicionou o Brasil não apenas como vítima de pressões externas, mas como um ator altivo do Sul Global, comprometido com a solução pacífica de controvérsias e com agendas humanitárias, como o combate à fome e a busca pela paz em Gaza . A mensagem foi inequívoca: o Brasil demanda respeito e buscará em fóruns como o G20 e os BRICS o contrapeso a qualquer tentativa de isolamento.
Em contrapartida, o discurso de Donald Trump foi uma reafirmação de sua doutrina "America First" . Com desdém pela agenda climática — referida como “o golpe da energia verde” — e críticas à própria estrutura da ONU, Trump defendeu o uso agressivo de tarifas como ferramenta de proteção da soberania e da economia dos EUA. A surpresa veio na forma de um aceno pessoal, ao relatar um breve encontro com Lula e afirmar ter encontrado “um homem muito legal” com quem teve “química excelente”. O anúncio de uma reunião bilateral na semana seguinte representou uma súbita e imprevista abertura para o diálogo, destoando do tom beligerante que marcou as relações recentes.
Este gesto, embora personalista, teve repercussões imediatas e tangíveis. A reação positiva dos mercados, com a valorização do real e uma nova máxima histórica do Ibovespa, sinalizou a principal oportunidade para o Brasil no curto prazo: a descompressão das tensões comerciais. A perspectiva de diálogo direto com o arquiteto das sanções abre um canal pragmático para negociar a redução de tarifas que penalizam setores estratégicos da economia brasileira e restaurar um grau de previsibilidade para investidores e exportadores. Para Lula, o reconhecimento de sua estatura por um adversário ideológico confere-lhe capital político e reforça sua imagem de interlocutor global.
Contudo, os riscos subjacentes a essa abertura são igualmente elevados. A cordialidade de Trump veio acompanhada de uma advertência paternalista: o Brasil “só melhorará” se trabalhar “conosco”, pois “sem nós, eles fracassarão”. Essa retórica condiciona o alívio econômico a um alinhamento político, expondo o Brasil ao risco de ter sua soberania decisória erodida. A diplomacia personalista e volátil de Trump torna qualquer acordo frágil, sujeito a reveses abruptos e a novas exigências, como a interferência em assuntos judiciais internos ou o abandono de parceiros estratégicos.
Adicionalmente, uma aproximação tática com Washington pode gerar fissuras estratégicas. A agenda de Trump colide frontalmente com pilares da política externa brasileira, como o protagonismo na agenda climática (COP30) e a atuação equilibrada junto aos BRICS e a outros atores não-alinhados. Um alinhamento excessivo com os EUA arrisca tensionar as relações com a China , principal parceiro comercial do Brasil, e com a União Europeia , além de gerar desconfiança entre vizinhos latino-americanos. No plano doméstico, a percepção de uma concessão à pressão externa poderia impor custos políticos significativos ao governo.
Em suma, o Brasil se encontra diante de um dilema estratégico.
A abertura oferecida por Trump é uma oportunidade tática valiosa para mitigar danos econômicos imediatos e ganhar fôlego. No entanto, o desafio para a diplomacia brasileira será capitalizar essa janela de diálogo sem ceder em princípios fundamentais de sua política externa. A tarefa do processo decisório será navegar esta complexa equação, equilibrando a busca por estabilidade econômica com a imperativa salvaguarda da soberania e da autonomia estratégica do país no cenário internacional.




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